domingo, 14 de agosto de 2016

Wanessa Camargo: uma estrada de 15 anos recomeçada do zero

Não é novidade para quem me conhece que eu acompanho o trabalho da Wanessa Camargo desde o início da carreira. Chorei ouvindo o CD, tentei “converter” o máximo de pessoas a gostarem, defendi os álbuns até mesmo em trabalhos na faculdade. Tudo isso desde o início da carreira, quando ouvi pela primeira vez O Amor Não Deixa. Aqui no blog, fiz até uma tag “Série Wanessa” pra divulgar e falar do trabalho dela.

Receio que este seja um dos últimos posts da Série Wanessa.

Para quem não a acompanha, explico o porquê desse post e o motivo da minha insatisfação. Recentemente a cantora começou a divulgar músicas do seu novo álbum de estúdio, o oitavo (sem contar os que são ao vivo). E eis que a sonoridade apresentada é completamente diferente de qualquer coisa que ela já fez até aqui. As duas primeiras músicas, Vai Que Vira Amor e Coração Embriagado, são o que existe de mais sem criatividade no sertanejo atual. É o tipo de música que só muda a letra, porque qualquer canção, de qualquer artista ou dupla que faça esse estilo, tem exatamente a mesma levada, o mesmo ritmo. Cansativo, para dizer o mínimo.

Mas por que isso é ruim? Ela não pode mudar o estilo?

Olha, poder, pode. Ela faz o que quer com a carreira dela e eu não sou ninguém para impedir ou chamar a atenção. Se nem a gravadora conseguiu pará-la com essa ideia maluca (o que resultou na rescisão do contrato), o que eu poderia fazer? No entanto, a questão principal é: o que ela ganha com isso? Qual a estratégia por trás dessa reviravolta? Quem é Wanessa Camargo na música brasileira? É o que vamos discutir juntos. Siga comigo!

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Trabalhar com sonoridades diferentes não é algo incomum no mundo da música


Seria desonesto dizer que artistas não podem trabalhar com sonoridades diferentes daquelas que normalmente atuam. Os exemplos estão aos montes por aí. Lá fora, Lady Gaga abandonou por uns momentos o pop para fazer um trabalho no jazz ao lado do renomado Tony Bennett. E ela não foi a primeira a fazer parceria com o cantor. Christina Aguilera e Amy Winehouse também já fizeram projetos similares. Mas perceba que nem Bennett, nem qualquer uma das três cantoras abandonaram a originalidade da sua arte para encabeçar um projeto alheio ao que se propõem. Em todos os casos, foi uma iniciativa paralela, complementar, que só acrescentou à carreira de todos eles.

E mesmo quem mudou de estilo conseguiu fazer essa transição de uma maneira muito estratégica, respeitosa com seu público e natural. É o caso de Taylor Swift. A antes princesa do country, hoje trabalha com uma sonoridade focada no pop. Contudo, isso não aconteceu de uma hora para outra. Primeiramente que o trabalho dela já atingia muito do público que consumia música pop. Aproveitando esse nicho, as composições da cantora começaram a misturar sonoridades (o que pode ser percebido mais nitidamente no álbum Red), até migrar completamente com o mais recente 1989.

Arquirrival de Swift, Katy Perry também mudou a sonoridade. Mas aqui por conta de uma realidade bem diferente. Perry fazia música gospel e não se sentia realizada neste tipo de música. A falência da gravadora com quem ela havia lançado um álbum só aumentou a insatisfação com o seu trabalho, e ela resolveu rumar para o pop. Essa mudança, no entanto, era consciente e planejada. Katy queria outro público, outra música, outro alcance.

Trazendo para a realidade brasileira, foi algo parecido com o que aconteceu com Sandy. A filha de Xororó encerrou a dupla com o irmão e, por consequência, desligou-se do pop romântico, investindo em algo que já fazia parte dos seus gostos pessoais há muito tempo: a MPB, ou pop alternativo. O público da cantora, conhecendo ela e a verdade nessa nova proposta, a seguiu e, desde então, ela permanece com uma carreira de sucesso e uma consistência exemplar.

Também no Brasil, Ivete Sangalo, nascida do axé, já realizou trabalhos em MPB, fez parcerias com cantores sertanejos e até lançou um álbum infantil. Mas da mesma maneira que as parceiras de Tony Bennett, foi uma iniciativa à parte, paralela ao seu trabalho original. O axé sempre se manteve.

Portanto, essa experimentação é positiva e rica para qualquer artista. Faz com que ele cresça e experimente sons e realidades que ampliam suas próprias perspectivas dentro do seu trabalho. A mistura de sonoridades é algo extremamente bem-vindo na música e só é alcançada quando acontecem essas misturas. Mas esse, infelizmente, não é o caso da Wanessa. E eu vou explicar por quê.

Com aposta no sertanejo, Wanessa Camargo mostra sua falta de identidade


Wanessa Camargo começou fazendo o que a indústria fonográfica chama de teen pop. Era um pop romântico voltado majoritariamente ao público adolescente, similar ao que faziam na época Sandy & Junior, KLB, SNZ e Felipe Dilon, só para citar alguns exemplos. Por isso, é mentira dizer que ela está “voltando às raízes”. Ela nunca cantou sertanejo nos seus álbuns. Existem apenas duas composições e uma música vertida para o português assinada pelo pai da cantora, Zezé di Camargo. Questionado sobre a razão de não escrever mais músicas para a própria filha, Zezé disse, à época, que era porque ela fazia uma música muito diferente da que ele faz.

No segundo álbum, e eu já relatei isso aqui, Wanessa dizia que estava buscando uma sonoridade “muito mais pop”. Sempre disse que se espelhava em Madonna e, enquanto seu pai escutava as músicas do gosto dele, ela sempre procurava por Michael Jackson e Abba.

A neta de Francisco saiu do teen pop com o maduro W: um álbum com uma pegada bem mais consistente e letras mais densas, compostas por batidas underground e guitarras bem marcadas que davam uma encorpada nas canções de uma maneira espetacular, mesmo nas faixas mais românticas, como Não Resisto a Nós Dois. Decididamente, isso não tem nada de sertanejo.

Se há algo de “sertanejo” na carreira de Wanessa é o Total, inclusive um dos álbuns que mais gosto dela. Não por ser o melhor, mas por fazer mais o meu estilo pessoal. Aqui, a cantora veio com uma proposta muito parecida com Shania Twain, em um country pop muito similar ao que Taylor Swift fazia. Ainda assim, não era sertanejo, no sentido mais bruto da palavra. Tem até um forró no meio — duramente criticado pelos fãs, inclusive —, mas era apenas uma faixa em um álbum que, apesar de menos pop (não ausente de pop), retratava o momento pessoal dela: apaixonada e recém-casada, as músicas vieram mais doces, leves e românticas.

Ao migrar, de fato, para o pop, Wanessa contemplou um público que já a acompanhava e que gostava desse estilo. Quem ouvia a garota Camargo também ouvia Britney Spears (não à toa ela foi capa da revista Vip com a chamada “A nossa Britney), Beyoncé (inclusive ela fez o show de abertura da apresentação da musa norte-americana) e Madonna (de quem Wanessa fazia covers constantes em seus shows). Talvez tenha causado algum estranhamento em alguns fãs mais acostumados com uma levada mais romântica, mas não foi uma troca de público. Apenas uma decisão mais firme baseada nas preferências pessoais e na naturalidade que seus seguidores teriam em migrar para este novo momento.

Apesar do álbum Meu Momento, o primeiro dessa época, ser um desastre, e ter músicas dignas de vergonha alheia (como a dispensável Máquina Digital), Fly foi extremamente bem elogiada. Quem a acompanhava sabia que era um projeto quase que experimental. Ou seja, Wanessa estava tentando encontrar a melhor música para essa sua nova fase e sua plateia sabia disso.

No entanto, depois de se firmar neste estilo, conquistar um público bem específico (com muita dificuldade, diga-se de passagem), Wanessa sai das pistas para gravar um arrocha muito tosco. Ignora o já conquistado, choca os fãs, muda a sonoridade e abandona toda a trajetória trilhada até então.

A justificativa, martelada por muitos veículos de imprensa e sustentada pela própria cantora e sua equipe, é de que Wanessa estaria “voltando às origens”. Mentira! Pode ser um retorno às origens da família. Mas da carreira, não. Ela nunca cantou o que está cantando agora. E mesmo se considerarmos que ela está retornando às origens familiares, nem isso é verdade. As músicas apresentadas até agora em nada se parecem com o que seu pai faz, nem com que Chitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo — citados como referência — faziam. Wanessa apresenta um sertanejo universitário, preguiçoso e sem identidade.

As possíveis razões para essa mudança


Wanessa não é burra. Na “era DNA”, ela chamou Naldo para compor uma música para ela. O cantor, febre nacional depois da horrorosa Amor de Chocolate, fez a igualmente medonha Deixa Rolar. Infelizmente, Naldo já tinha caído no esquecimento e a cantora não conseguiu aproveitar o sucesso do colega para ganhar pontinhos nos charts também.

Aí está só um exemplo de como ela sempre esteve bem atenta ao momento da música. Investir no sertanejo é um movimento natural de quem quem aproveitar a demanda que existe por esse estilo musical. Desespero por dinheiro? Não, eu não diria isso. Inclusive porque Wanessa não precisa e porque isso é desmerecê-la. É apenas uma necessidade pessoal, vejam:

Wanessa vinha se apresentando em boates. A DNA Tour não conseguiu levar aquela estrutura do DVD Brasil afora. Com aquele formato, o show passou apenas por três capitais: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e acumulou fracasso de público fora da capital paulista. Algo que Wanessa sempre deixou nítido foi seu desejo de estar no palco, de fazer um show bonito, com uma estrutura bacana, para um público grande. E imagino ser frustrante para ela se apresentar em lugares que, depois dela, semanas depois recebiam pessoas do calibre de Inês Brasil. Nada contra Inês, mas é que o tipo de trabalho que ela faz é um abismo de diferença do que o apresentado por Wanessa, não é verdade?

Portanto, olhar fenômenos do sertanejo como Marcos & Belutti, Henrique & Juliano, Luan Santana, Gustavo Lima, Maiara & Maraisa lotarem estádios e casas de shows, além da experiência do próprio pai e tio, certamente causou um desejo de mudança, uma necessidade de conquistar aquilo ali. No lugar de batalhar na música que vinha fazendo para garantir seu espaço (o que se conquista com o tempo, não de um trabalho para outro), ela foi pelo mais fácil: trocou o estilo, gravadora, empresário e começou a fazer música “linha de produção” para abocanhar um público que naturalmente já acompanha artistas desse estilo.

O triste é que Wanessa Camargo chegou aqui, depois de mais de 15 anos de carreira, sem nada. Ela não tem um estilo, não tem um público crítico e fiel que a acompanha (com raras exceções, os fãs que permanecem com ela o fazem pela pessoa incrível que ela é, além de se importarem menos com a música), além de ter jogado fora uma legião de pessoas que haviam acreditado nela depois dos trabalhos mais recentemente lançados.

Ou seja, com sorte, pode ser que este seja um bom momento para a carreira dela. Por quanto tempo isso vai durar e se vai ser algo memorável, digno de ser lembrado daqui alguns anos, só poderemos ver mais adiante (eu acredito que não). Espero, sinceramente, que um dia ela encontre sua verdadeira identidade e siga um caminho bem definido. Não adianta dar a desculpa de que pessoas mudam e que isso é natural. Os fãs atuais do ACDC não os acompanhariam se eles decidissem fazer country music. Os fãs do Wesley Safadão não o acompanhariam se ele decidisse gravar música erudita. Essas mudanças bruscas na carreira de qualquer artista, quando não calculadas e com um objetivo bem definido, são irresponsáveis e injustificáveis.

Só espero que Wanessa um dia entenda isso para observar que o que ela está fazendo não é sinônimo de maturidade. É uma prova de desrespeito e indecisão.

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