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sábado, 29 de setembro de 2012

Hebe: um pedaço do que havia de brasileiro na nossa TV


Por mais óbvias que sejam, existem situações na vida que você acha que tão cedo não vai vivenciar. Existem aquelas pessoas que são tão ícones que, por alguns instantes, você acha que não são humanos, e por isso sempre estarão ali, presentes, como estátuas de cera que nunca mudam de aparência; ou, talvez, só troquem de roupa e penteado. Não nos ocorre que, como qualquer um de nós, elas estão sujeitas a frustrações, irritações, erros e a morte.

Por isso é com imensa tristeza que soube, hoje, da morte da apresentadora Hebe Camargo. Hebe fazia parte do restrito grupo de pessoas da televisão que está se extinguindo, tal como Silvio Santos. Quando essa “leva” de monstros da TV nos faltarem, o que nos restará? Comediantes stand-up? Modinhas do Multishow e da MTV? Os babaquinhas do CQC e Pânico? Programas com fórmulas enlatadas vindas dos EUA e Europa?
Por isso, além de perdermos mais uma parcela daquilo que existe de mais icônico na TV brasileira, estamos, aos poucos, perdendo a própria essência, a natureza, a originalidade, a qualidade da nossa televisão (que cada vez mais perde sua brasilidade) com a partida de Hebe Camargo.

Os programas de Hebe, durante toda a sua vida, não eram dados a intelectualidades. Apesar disso, ela não deixava de criticar a dura realidade vivida por muitos brasileiros. Também não deixava de incentivar a solidariedade e chamar atenção para as falcatruas de uma política desrespeitosa praticada no nosso país. Os convidados dela, em sua maioria, não eram mais que produtos da indústria cultural brasileira ou personalidades que o SBT queria emplacar na mídia. Ainda assim, Hebe fez parte de um tempo célebre da cultura nacional, cantando ao lado de Roberto Carlos, Agnaldo Rayol e Demônios da Garoa. Hebe entrevistou Mazzaropi, a presidenta Dilma, sempre com seu jeito informal e leve, o que tornava acessível a suas conversas, independentemente de quem era o entrevistado. Com Hebe nós ríamos, nos emocionávamos. Hebe tinha um brilho tão grande que não precisou estar na maior emissora do país para se tornar alguém inesquecível e ímpar. Mas também não escondia a alegria de estar no palco do Faustão (se comportava como uma criança gritando: “Olhem, estou na Globo!”) ou em uma entrevista no Fantástico.

Por fim, como nos resta poucas palavras em um momento desse, basta dizer que é muito bom viver num tempo em que se é capaz de ver pessoas com a grandiosidade de Hebe na ativa. Já que não tive a oportunidade de viver nos tempos de Mazzaropi, de Chacrinha, ou enquanto viveram Tolkien, Lewis, Machado de Assis ou Monteiro Lobato, pelo menos posso dizer que eu estive num tempo onde viveu Hebe Camargo.

Descanse em paz, Hebe.

Hebe morreu na madrugada de sexta para sábado do dia 29 de setembro de 2012, aos 83 anos, enquanto dormia. Sofreu de ataque cardíaco após lutar bravamente durante anos contra o câncer. Ela tinha, pouco antes de sua morte, acertado a volta para o SBT depois de uma temporada na Rede TV e se dizia muito feliz. Uma eterna guerreira que nunca permitiu que o sorriso deixasse o seu rosto.

domingo, 5 de agosto de 2012

O (não) reconhecimento do legado de Mazzaropi


A identificação popular, por si só, sem o aval de críticos ou da elite intelectual, nunca foi motivo suficiente para registrar a relevância de alguma obra na história da arte. O popular, na realidade, no decorrer dos tempos, e até hoje, é tido como algo de menos prestígio em relação a obras de arte reconhecidas pela crítica especializada e pelos próprios produtores artísticos.

Se observarmos a história da arte poderemos constatar que muitos artistas só foram reconhecidos muito depois de sua morte – e daí, elitizados. Enquanto viviam, ainda eram motivo de desconfiança por parte dos “consumidores de arte”. Em muitos aspectos e para muitas pessoas, a arte é tida como uma representação de status social. Por essas razões, algo só é entendido como obra de arte a partir do momento em que se detecta um reconhecimento intelectual.

No caso do cinema brasileiro, isso é muito visível. E nem estamos falando de Mazzaropi ainda. De acordo com uma matéria publicada na revista "Cult" com um dossiê de Glauber Rocha, o próprio criador da chamada “Estética da Fome” fez um cinema conceituado por diversos nomes internacionais do cinema – como o diretor Martin Scorsese – dirigiu e escreveu longas que são marcos na história do cinema brasileiro, não teve reconhecimento, no Brasil, enquanto estava atuante e vivia para contribuir com a sétima arte nacional.

Hoje, por analisar o contexto social e histórico da época, a obra de Glauber é lembrada e aplaudida no Brasil e também no exterior. As pessoas compreenderam as alegorias presentes em suas películas e que faziam duras críticas ao modo de viver e de pensar da época. Hoje Glauber tem um reconhecimento que não gozou em plenitude na época em que fazia seus filmes.

Mas Mazzaropi continua à margem.

Cena de "Deus e o Diabo na Terra do Sol", premiado filme
de Glauber Rocha
A obra de Glauber Rocha, por exemplo, está protegida e amparada na Cinemateca Nacional, um espaço que recebe incentivo fiscal do governo federal e é patrocinada pela Petrobras, uma estatal. O Museu do Mazzaropi é mantido por um Instituto fundado pela iniciativa privada: a empresa que mantém o Hotel Fazenda Mazzaropi, que nada tem a ver com a família do cineasta-comediante, e não há qualquer programa governamental de apoio e preservação ao legado de Mazzaropi. Nem mesmo em Taubaté, cidade onde está instalado o museu, há qualquer tipo de propaganda do governo municipal usando Mazzaropi como motor de propaganda turística.

O sertão do sudeste e centro-oeste, o jeca, o sertanejo da região cafeeira, nunca foram motivo de apreciação artística. A música sertaneja de raiz só chegou à cidade quando se “romantizou”. As modas de viola, que contavam causos e animavam as noites no sítio, até hoje não caem muito ao gosto de quem busca refinamento na música.

O país preferiu falar do sertão nordestino, da seca e dos males das regiões áridas do Brasil. E quem falou de lá, no cinema ou na literatura, foi muito lembrado – e com razão. Na década de 1960, a nouvelle vague brasileira tinha o objetivo de “imprimir o Brasil em película”. E essa procura de uma identidade nacional acabou por se tornar um retrato do sertão nordestino. Neste movimento é que sugiu “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1963), de Glauber Rocha, indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes.

Cena de "Jeca Tatu", a maior bilheteria da história de
Mazzaropi, livre adaptação da obra de Monteiro Lobato
Mas o sertanejo da região de São Paulo e Minas Gerais, do interior do sudeste e do centro-oeste brasileiro, que não convivia com a seca, mas também tinha seus problemas, e precisava enfrentar os grandes latifundiários, a falta de saneamento e saúde pública, via os filhos viajando em debandada para as capitais, ou suas pequenas e pacatas cidades se transformarem em polo industrial, pela proximidade com São Paulo, não foi retratado. Sua roça foi minguando e perdendo espaço para o asfalto e as facilidades da tecnologia e quase nada se falou dele.

Mazzaropi esteve lá para falar desse sertanejo. Ele falou do jeca de Monteiro Lobato, criado em Taubaté e lá instalou sua indústria de cinema. Ele falou dos imigrantes portugueses e japoneses e ele mesmo representava o italiano que saiu da Europa para tentar uma vida melhor no Brasil, mas acabou apenas transferindo para cá novas dificuldades, instalando-se nas lavouras de café para garantir a sobrevivência. Aos poucos, esses sertanejos foram tentar melhor condições de vida na cidade, e Mazzaropi esteve com suas histórias na capital paulista, além de falar do jeca que vinha para a cidade, do que já morava na cidade ou simplesmente levar, no cinema, o jeca para quem um dia morou na roça e se encontrava numa vida limitada às linhas de produção.

Este texto é um trecho adaptado e extraído de "O Papel de Mazzaropi na História do Cinema Nacional", monografia de minha autoria concluída neste ano (2012).

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Museu Mazzaropi: o desconhecido de Taubaté

Acordei cedo. A manhã era ensolarada. Eu ainda não tinha visto nenhum amanhecer em Taubaté. Havia chegado no dia anterior, à noite.
As ruas estavam vazias. Ao longe, ouvia o cantar de um coral. Provavelmente alguma igreja em missa naquele domingo de manhã. Eu estava aflito. Tinha poucas informações das que eu precisava. Desde que eu coloquei meus pés nas terras do Vale do Paraíba, ninguém soube me informar onde ficava o museu do Mazzaropi, muito menos como se chegava até lá.

Pedi informação para uma senhora que passava, sozinha, na rua deserta. Ela também não soube dizer. Outro senhor passou e também perguntei. Ele não sabia, também, onde ficava.

Fui para o ponto de ônibus. Uma moça estava lá. Demorei alguns minutos até que pudesse tomar coragem para perguntá-la alguma coisa. Ela me parecia um tanto indisposta a falar. Respirei:
- Você sabe me dizer como eu faço para chegar no museu do Mazzaropi?
Ela pensou um pouco antes de responder:
- Desculpa, mas não sei te dizer. Mas faz assim: pega o ônibus até a rodoviária velha [que é o terminal central de ônibus em Taubaté]. Lá sai ônibus para toda a cidade. Daí você pergunta.
Lamentei com ela que desde que chegara ali ninguém soube me dizer como chegar até o museu.
Ela fez uma cara de pesar, apenas. Olhou para o outro lado, para a rua:
- Lá vem um ônibus. Esse vai para onde você precisa.
Agradeci.

O ônibus encostou. Eu estava com uma mala e uma mochila nas costas. Foi difícil passar a catraca. Me acomodei e fiquei prestando atenção nos lugares onde o ônibus passava. O ponto final seria no meu local de destino. Não tinha erro!

Engano meu!

O ônibus parou no Centro, mas não na chamada “Rodoviária Antiga”. Andei algumas quadras procurando, mas não achei. Antes de perguntar onde ficava, resolvi ir até um ponto de táxi. Queria evitar que não chegasse ao museu em tempo. Eu tinha somente até meio-dia para fazer minha visita, e já eram quase 9 horas.

- Bom dia, senhor! - Interrompi o taxista lendo o jornal. - Você sabe me dizer quanto custa para chegar no museu do Mazzaropi?
- Museu do Mazzaropi? - Perguntou o homem, pensativo.
- No bairro dos Remédios. - Tentei ajudar com as informações que eu tinha.
- Sei, sim. Acho que uns 15, 20 reais.
Respirei aliviado. Era menos do que eu imaginava.

O carro branco percorria por entre ruas mais movimentadas e outras menos. O taxista começou a contar dos anos passados, quando, ainda jovem, passava por aquelas bandas e via o empresário Amacio andando nas proximidades de seu Hotel Fazenda.
- Conheço gente que tem histórias pra contar do Mazzaropi. Falavam com ele. Eu só via o homem andar sozinho por esse lugar todo aí. - Dizia o taxista apontando para a beira da estrada.
Talvez não fosse verdade que o artista andasse sem rumo pelas ruas de Taubaté. Mas, certamente, era verdade que ele havia estado ali por perto.

Logo atravessamos o viaduto que passava por baixo da Via Dutra. Não demorou, estávamos em frente ao Hotel Fazenda Mazzaropi.
- Quero deixar o garoto aí dentro. - Avisou o taxista ao porteiro. Logo já percebi que ele não sabia exatamente como funcionavam as coisas por ali. O museu não era dentro do Hotel Fazenda. Isso até eu já sabia.
- Preciso ir ao museu. - Me intrometi.
- Ah! O museu? É nessa rua de chão aqui do lado. Um pouco pra frente, depois de um muro vermelho.
Agradecemos e logo já fomos na direção indicada pelo segurança. Mas de prontidão vi que ele não sabia onde estava indo. Contou-me algumas de suas histórias exageradas e eu não via o momento de chegar, enfim, ao museu.

- Acho que já passamos. - Alertei.
- Será? Mas não vi nenhum muro vermelho! - Interpelou o taxista.
- Mas não vejo mais nada lá na frente. Vamos voltar. Aqui até já acabou o muro do Hotel Fazenda!
O taxista concordou. Fez o retorno e logo já vimos o museu. Havíamos passado muito! Paguei e me despedi com pressa. Não estava mais me agradando aquelas conversas.


Entrada do Museu Mazzaropi, em Taubaté/SP

O carro ia se afastando. Me organizei e, antes de entrar, prestei atenção na faixada do museu. Era um prédio novo, moderno, que não remetia nenhum pouco à área rural, ou a engenhos, casas de sapê ou qualquer construção de jecas pobres, os retratados por Mazzaropi. A entrada, aliás, chamava a atenção pelo respeito e cuidado com a acessibilidade.

Mas todo aquele cuidado parecia abandonado. No caminho, eu só havia percebido uma placa indicativa da localização do museu. O transporte para lá não era facilitado. E olha que tudo era menos distante do que eu imaginava!

No ar, o som dos pássaros festeiros espalhados pelo lugar de verde abundante. No chão, as folhas secas se espalhavam na entrada do museu, como se não tivesse sido varrido há dias. Nenhum carro, nenhum movimento. As árvores projetavam sombras no chão por entre as folhas banhadas pelo sol da manhã. E o vento soprava sobre elas, levemente. Quebrando todo aquele silêncio, estava somente o barulho das rodinhas da minha mala.

Entrei. O teto era alto. Olhei para todas as direções e não vi ninguém. Decidi avançar, apesar do medo de o atendimento ainda não ter começado. Mas já deveria! Não eram 9 horas ainda, e, pelo que haviam me passado, o museu abria às 8.

Uma cobertura arredondada e moderna se destaca na arquitetura do espaço. A entrada é uma sala grande e vazia, exceto por alguns equipamentos antigos de filmagem que ficam à direita da porta: câmera, microfone, grua, uma cadeira de diretor, um baú, mesa, travelling. À frente, uma bancada sem ninguém. Me aproximei dela, tomando cuidado para fazer barulho mais que o necessário.

Enfim, alguém surgiu do andar de cima.

- Olá! Bom dia! - Recepcionou-me a moça.
- Bom dia! Eu gostaria de saber como funciona a visitação. Está aberto o museu já?
- Sim, eu vou descer para conversar. Um minuto.

A moça desceu. Gabriela, o nome. Ainda tenho o cartão que ela me deu.
Gentilmente, ela sugeriu que eu acomodasse minhas malas atrás da bancada. Prontamente deixei todo aquele peso no local indicado e segui para uma sala ao lado do hall de entrada, onde começava a exposição.

Ali a história de Mazzaropi é contada em painéis interativos com muitas fotos, e divididos por etapa da vida e da filmografia do artista. Paralelamente à parede onde estão instalados os painéis, ficam as vitrines que guardam muitos materiais de cena: certificados de aprovação pelos censores da Ditadura Militar, figurinos, dinheiro cenográfico, objetos de cena, fitas, latas, máquinas de escrever, entre tantos outros objetos usados por Mazzaropi e em seus filmes.
Naquele mesmo espaço, algumas cadeiras estofadas ficam acomodadas em frente à uma TV, onde é exibido um documentário sobre a vida e a obra do cineasta.

E foi assistindo os filmes, o documentário, conversando com os funcionários do museu, com a população desinformada de Taubaté e lendo muito sobre o maior jeca do cinema nacional, é que eu consegui mergulhar na filmografia de Amacio Mazzaropi.


Figurino e dinheiro cenográfico utilizados no filme
"Nadando em Dinheiro"

A espingarda torta, um dos símbolos do jeca, utilizada em
vários filmes; entre eles "O Grande Xerife"
Placa do curtiço onde o jeca morava em "Sai da Frente"
Este texto é um trecho extraído de "O Papel de Mazzaropi na História do Cinema Nacional", monografia de minha autoria concluída neste ano (2012).

terça-feira, 10 de abril de 2012

Os 100 anos de Mazzaropi


Nesta semana comemoramos o centanário de um dos maiores cineastas que já viveu no Brasil e que, infelizmente, hoje é esquecido e não valorizado. Azar dele ter nascido exatamente no ano que o Titanic naufragou e as atenções do Brasil e do mundo estejam voltadas ao gigante inglês.
 
Imagem do filme "Sai da Frente", o primeiro da carreira
Mas o Andarilho não esqueceu do filho de Clara Ferreira, brasileira de família portuguesa, e Bernardo Mazzaropi, imigrante italiano, que já viviam casados por volta do ano de 1910. A cultura do café estava a pleno vapor no país. Mas, por morar na capital paulista, a renda deles era garantida através dos meios urbanos de ganhar a vida: Clara trabalhava como empregada doméstica e seu Bernardo como motorista de carro de aluguel. Nas horas vagas, ele vendia um tecido muito usado para a confecção de roupas, chamado casimira. Para ampliar as vendas, viajava com frequência para o interior do estado. Tudo para preparar a família a fim de receber o primeiro e único filho, que nasceu em 9 de abril de 1912: Amacio Mazzaropi.

Com as dificuldades financeiras, Bernardo se obrigou a voltar, com mulher e filhos, para uma das primeiras cidades onde havia morado ao chegar ao Brasil: Taubaté. Lá, empregou-se na primeira indústria têxtil da cidade que trouxe novas esperanças à família. Não demorou e Clara também já havia se tornado funcionária da indústria. Estava preparado o terreno para o jovem Amacio ter os primeiros contatos com a arte.

O garoto começou a ser cuidado pelo avô materno, que fazia pequenos shows pela cidade. Com a viola companheira, o avô de Amacio apresentava músicas e danças para os moradores de Taubaté.

Mas foi com dez anos que o garoto, já na escola, começou a demonstrar interesse por arte e pelo teatro. Amacio já sonhava com a carreira de ator e costumava devorar livros como o “Lira Teatral”, organizado por José Vieira Pontes, e compilava monólogos, cançonetas, cenas cômicas, poesias e duetos.

Aos 14 anos Amacio entrou para o circo. Mais tarde, com 17 anos, foi encorajado a sair da sua trupe por um advogado, espectador assíduo, que garantia que o jovem tinha muito futuro pela frente e não precisava ficar preso àquela companhia circense.

Arrumou emprego na indústria têxtil de Taubaté, juntou o dinheiro que precisava para, um ano mais tarde, dirigir e atuar sua própria peça teatral, já se apresentando como Mazzaropi e incorporando o caipira: exatamente o personagem que o consagrou.

Mais tarde, aproveitando-se da quantidade de imigrantes italianos, principalmente, que chegavam a São Paulo para viver e trabalhar, Mazzaropi fixou as apresentações de sua Trupe no Teatro Colombo no bairro Brás, exatamente onde a maioria dos imigrantes passou a morar, por conta dos terrenos baratos, baixas taxas de aluguel, oportunidades de trabalho e transporte fácil. Ao fim do dia, tomados pelo cansaço e ainda habituando-se a um novo estilo de vida, esses moradores buscavam atrativos culturais e de lazer pela região. Foi mais uma importante contribuição para que Mazzaropi se tornasse um nome ainda mais popular naquelas paragens.

Tal popularidade levou o comediante ao rádio. Claro, além da popularidade, o próprio estilo de trabalho de Assis Chateaubriant, presidente dos Diários Associados e, consequentemente, da Radio Tupi, local onde Mazzaropi iniciou sua vida no rádio, ajudou na inserção do personagem caipira neste, então, novo meio de comunicação.
É que Chateaubriant havia investido muito em tecnologia e infraestrutura para garantir a qualidade da filial paulista da sua rádio. Para que a programação pudesse ir ao ar, restou fazer acordos com casas de shows, para que os artistas se apresentassem em dois locais – nas casas de show e na rádio – por um único valor. Outra saída foi a contratação de artistas nacionais de sucesso, mas que tivessem um cachê modesto. E Mazzaropi se enquadrava nessa situação.

O tempo foi passando e as empresas de Chateaubriant foram ganhando filiais por todo o Brasil. Para garantir a audiência das rádios dos Associados em todos os locais onde estavam instalados, criou-se a Brigada da Alegria, reunindo os grandes nomes da Rádio Tupi: Henricão e Rosa Maria (conhecidos como Barão das Cabrochas e Cabrochinha do Samba), Linda Batista, Michel Allard, Hebe Camargo e Amacio Mazzaropi.

Diferentemente da “entrada” no rádio, onde havia sido convidado para trabalhar, Mazzaropi chegou à televisão através de uma iniciativa própria. No ano da estreia da televisão, 1950, querendo expandir seu trabalho e de olho nas novas possibilidades que poderiam surgir ao ingressar no mais recente meio de comunicação, o ator preparou um programa piloto e convidou os amigos João Restiffe e Geny Prado para apresentarem nos estúdios da TV de Chateaubriant. No dia seguinte, a tesouraria da emissora entrou em contato com Restiffe, dando a notícia de que o projeto havia sido aprovado.

Mazzaropi e Geny Prado, que sempre viveu a mulher
do Jeca
O mais curioso é que a televisão era um meio de comunicação altamente elitizado, e Mazzaropi fazia um programa declaradamente popular, contando, inclusive, com a participação de duplas sertanejas, como Tonico & Tinoco. E a música sertaneja era a representação do que havia de mais popular. Ainda assim, a imprensa costumava publicar muitas críticas elogiosas. O jornalista Airton Rodrigues, da revista “O Cruzeiro”, descreveu o jeca como “o maior caipira do rádio e da televisão” e como “a figura mais popular da televisão”.

A carreira de Mazzaropi na televisão terminou em 1954, dois anos após sua primeira aparição no cinema, meio ao qual dedicou a maior parte da sua vida e do seu trabalho. O ator tomou essa decisão por mais de um motivo. Além de querer se dedicar ainda mais à sétima arte, ele acreditava que a TV acabava por desgastar a sua imagem e as suas piadas. Mazzaropi costumava dizer que no cinema as pessoas ficavam com saudade dele porque era apenas um filme por ano.

A saudade, agora, permanece até hoje.

Este texto é um trecho adaptado e extraído de "O Papel de Mazzaropi na História do Cinema Nacional", monografia de minha autoria concluída neste ano (2012).

domingo, 29 de janeiro de 2012

O Cinema de Mazzaropi


Amanhã tem a defesa da minha monografia para que eu, enfim, consiga minha formação como jornalista. O meu tema é: "O Papel de Mazzaropi na História do Cinema Nacional".
Diante disso, e da comemoração do centenário do nascimento do cineasta lembrado neste ano, nada mais propício do que lançar o "quadro" "Ano do Jeca".
Durante este ano, vou fazer postagens sobre um dos maiores e mais bem-sucedidos cineastas da história do país. Dentro de pouco, vou falar especificamente dele, para quem não o conhece. Mas dada à minha apresentação que ocorrerá amanhã, posto aqui um trecho (editado) da minha análise.

Boa leitura! E espero vocês por aqui com frequência, para conhecerem um pouco mais deste grande artista nacional!

Em certa cena de “Jeca e a Égua Milagrosa” (1980), alguns homens de pensamentos políticos e religiosos distintos começam a brigar. Os socos e chutes têm a pretensão de soarem violentos. Os personagens jogam um ao outro por cima das mesas e cadeiras. A desordem é grande. Os brigões se atiram ao chão, rolando em meio aos golpes.

Mas eles não se machucam. Não é compreensível quem está apanhando de quem. Não há nenhuma ferida, sequer algum hematoma e muito menos alguma gota de sangue, embora a briga tivesse sido pesada e dois dos personagens tenham ficado desacordados.

No meio da confusão, alguém dispara um tiro. Como a briga já havia terminado, Raimundo, o personagem de Mazzaropi, sai de trás de uma moita, do outro lado da rua, com a calça nas mãos e reclama: “Vâmo pará de tiroteio aí que quase me acertaram um tiro!”. E a esquete cômica está finalizada.

A falta de lógica na direção pode ser percebida na cena subsequente. Nos momentos finais da briga, o dono do bar percebe a aproximação do delegado com o padre e um policial. Exatamente neste momento é disparado o tiro que desperta a ira do personagem de Mazzaropi atrás da moita. Os brigões, a mando do dono do bar, acomodam os homens desacordados sentados, com a cabeça apoiada na mesa, como se estivessem dormindo sob os braços. O delegado, no momento em que passa em frente ao bar, pergunta: “Tudo certo por aí?”. O proprietário responde: “Por aqui tudo certo. É só alegria! Tudo na paz!”.

Será que o delegado não percebera nada estranho? A resposta forçada do dono do bar não teria chamado a atenção da autoridade policial? Não seria incomum dois homens dormindo em uma mesa de bar, à tarde, no meio de uma roda de conversa?

Sim. É ilógico. Mas as ilogicidades não param por aí. Logo depois que o delegado sai de cena, os dois desacordados levantam e vão embora raivosos e jurando vingança. A vitalidade dos dois não era de alguém que havia acabado de levar uma surra e ficar desacordado.

Fica claro, portanto, que o cinema de Mazzaropi não é dotado de inovações estéticas nem refinamento no que diz respeito à continuidade e direção. Não há criatividade na elaboração dos cenários. Fassoni (1977), numa crítica a “Jecão, Um Fofoqueiro no Céu” (1977), chega a dizer que “[Pio] Zamuner e Mazzaropi chegaram ao ridículo, desta feita, ao conceberem, com a imaginação de um recém-nascido, a cenografia para o seu céu-inferno”. Isso não quer dizer que ele não se resolva tecnicamente. De acordo com Matos (2010), os equipamentos pertencentes à PAM Filmes eram de última geração. Mesmo antes de ter uma produtora própria, Mazzaropi já contava com equipamentos de alta tecnologia na Companhia Vera Cruz. E o próprio Fassoni (1977), numa de suas duras críticas ao cineasta, reconheceu que os filmes de Mazzaropi vinha evoluindo, e “haviam adquirido uma qualidade técnica mais apurada, seus temas mais recentes tinham um recheio mais plausível” (FASSONI, 1977).

Ainda assim, no que diz respeito à direção, tudo é muito comum e pouco ousado. Integrante da chanchada paulista (DIAS, 2010) – filmes populares, geralmente cômicos, que se utilizavam de participações musicais cantando marchinhas carnavalescas – as produções de Mazzaropi eram acusadas de contar com atores inexpressivos e direção precária (LOYOLA, 1965). Para os críticos, isso se devia aos baixos salários que a PAM Filmes pagava aos seus funcionários e atores.

Mas nem por isso todos os filmes tinham pouca qualidade artística. Participaram das produções de Mazzaropi atores que viriam ganhar reconhecimento nacional, como Tarcísio Meira. Apesar de grande esmero em diversos aspectos, o mesmo cuidado não era levado em consideração na montagem e edição dos materiais. Mazzaropi sacrificava o roteiro na busca de uma boa piada. Ou seja, o filme só era bom quando as piadas também eram. A justificativa do artista era que os improvisos e erros garantiam espontaneidade à fita.

Se isso pode ser encarado por alguns como um modo positivo, autoral e particular de conduzir um filme, logo este pensamento já pode ser descartado na medida em que conhecemos, muito além da forma de conduzir um filme, a maneira como Mazzaropi conduzia as gravações. Na maioria das vezes não havia cuidado com a continuidade e com a própria direção de arte e figurino: usavam-se roupas, no filme, inadequadas à época em que ele se passava.

Ainda que tudo acontecesse em prol das piadas, Mazzaropi não precisava de uma história engraçada e um roteiro totalmente cômico para ficar satisfeito com o trabalho. Em diversas ocasiões percebemos piadas deslocadas, fora do contexto da história que está sendo contada, como já exemplificado aqui. Ou seja: para Mazzaropi, qualquer momento no roteiro era propício para se fazer uma piada, por mais deslocada que ela pudesse parecer. Não era necessário que a estrutura do roteiro corroborasse isso. Sendo assim, os demais temas que o ator julgava digno de estar presente nos argumentos, se faziam presentes, mesmo que não fossem engraçados. E entre os assuntos mais trabalhados pelo cineasta estavam a política e a religião.